6.7.11

Dominó ao contrário

"Dizem que o amor é sorte e a felicidade uma vocação. Demorei algum tempo a perceber que o amor era uma coisa e a felicidade outra. Pensava que o primeiro guardava a receita mágica para a segunda, como açúcar para os bolos e o fermento para o soufflé. Queria tudo, sempre quis tudo e sempre pensei que aquilo que mais desejava, se fosse bom para mim e o melhor para os outros, acabaria por se tornar em realidade.
 Já fizeste um dominó? Já pensaste que a exististência humana é tantas vezes assim? Passamos dias, semanas, meses, anos a construir os nossos sonhos e, num breve instante, alguém tropeça neles e tudo se desfaz, numa sucessão de azares impossível de travar. E tudo se desmorona num ápice.
 Quando o meu dominó começa a cair, junto-lhe mais peças na cauda e aproveito para limpar fantasmas na enxurrada. Ao menos sofro tudo de uma vez, condenso a frustração num par de dias e depois fico a enxaguar a tristeza até ela secar ao sol. Então, com muita calma, começo a montá-lo outra vez e, aos poucos, vejo-o a crescer sozinho, como se o embate que fez cair as peças tivesse o poder de as levantar.
 Sou e serei a mulher mais persistente que se cruzou no teu caminho, nunca conhecerás outra que acredite tanto na justiça dos seus sonhos e que, por isso mesmo, nunca desista deles.
 Mas ninguém consegue costruir uma ponte sozinho, nem carregar um piano, nem mudar uma casa, e por isso, aprendi algo mais difícil: aprendi a não fazer nada quando aquilo que mais quero e desejo não depende só de mim. E com essa nova e preciosa lição veio a paz, a tranquilidade, a harmonia dos dias sossegados e das noites de sono profundo.
 Aprendi muito contigo, com certeza mais do que imaginas. Aprendi com os meus erros, porque é quando se perde que a lição é mais importante. Devia ter ficado quieta mais vezes, devia ter respeitado o teu silêncio e o teu espaço, deixar-te em paz em vez de te pedir o mundo, porque iria sempre amar-te, estivesses ou não ao meu lado, porque fazes parte de mim, mesmo sem saber se és a primeira ou a última peça do meu dominó, mesmo sem saber se o vais levantar ou derrubar.
 O amor tem o seu próprio mistério, tentar desvendá-lo é um erro, tentar apressá-lo um crime. Mas se um dia destes te apetecer voltar para os meus braços e construir um sonho comigo, podes bater à porta porque eu estarei por aqui, mergulhada numa paz tranquila e nova que sem saber me ensinaste.
 O amor é mesmo assim: damos aos outros o nosso melhor sem sequer o saber. E tudo o que damos nunca se perde, nada se perde, apenas se transforma e se guarda numa caixa que só o futuro conhece e desvenda."

                                                                                                                     Margarida R. Pinto
                   Incrível como consegue ser sempre tão realista!